::terça-feira, novembro 23, 2004

A minha rua

Eu gosto muito da minha rua.
É muito bonita, com prédios bonitos de cada um dos lados.
Os prédios não são muito altos, mas não faz mal porque a rua também não é muito larga. É mesmo muito estreitinha. Ás vezes mal se consegue passar, por causa dos carros que estão estacionados de um lado e do outro.

O papá diz que é uma diotice ainda se fazerem ruas assim, especialmente quando se sabe que passam autocarros nessas ruas.
Eu gosto de ver os autocarros a darem aquela curva apertadinha ao virarem para a minha rua. E ao virarem para a outra também. E quando vem alguém do outro lado ainda é mais giro.
Ás vezes os autocarros tem de passar por cima do passeio o que não lhes faz lá muito bem. Aos passeios, mas se calhar aos autocarros também não.
O papá diz que não percebe como é que os passeios podem estar naquele estado ao fim de tão pouco tempo, e que é tudo uma tristeza e não sei quê.
Mas eu cá gosto de brincar nas covas que os pneus dos autocarros fazem nos passeios. São tão grandes e redondinhas.

Na parte da rua onde fica a minha casa, não há prédios dos dois lados, só de um.
Do meu. Do outro lado há umas casas, assim parecidas com caixotes, que têm jardim e tudo. Algumas até têm piscina e árvores e arbustos e cães.
Das janelas da minha sala posso ver as meninas da casa que fica em frente à nossa a brincar no jardim, umas com as outras. E também consigo vê-las a brincar nos outros lados da casa, se deixarem as janelas abertas. E nas outras casas da rua também posso fazer isso.
E essa é uma coisa de que eu gosto muito na minha rua. É que podemos ver para dentro das casas das outras pessoas, para as conhecermos melhor e sabermos se elas estão bem ou se precisam de ajuda, por exemplo, com um ladrão que lá tenha entrado, ou com um fogo ou assim.

Acho que o papá não deve gostar muito desta minha ideia, porque fecha sempre os estores quando chega a casa e é de noite. Se tivéssemos cortinados era mais fácil, mas não temos. Só temos nos quartos. Isso faz-me alguma confusão porque nos quartos não temos janelas de outros prédios à frente. Só lá mais abaixo. Mas se calhar há pessoas com binóculos no monte lá ao fundo, ou na mata do Monsanto, e por isso é que temos lá os cortinados. E se calhar também porque é no quarto que nos vestimos e ficamos com o rabinho à mostra e tal. Afinal, já não me faz confusão!

Uma coisa que eu gostava que houvesse mais na minha rua eram árvores. Só há assim umas cinco ao pé do 'quente e bom', que faz uns bolos muita bons, mas onde os empregados têm todos a mania, diz o papá. Mas essas árvores são todas mais ou menos pequeninas. Na parte de trás da minha rua há mais, onde se entra para as garagens dos prédios, e é lá que às vezes vou brincar com os outros meninos. Mas temos de estar sempre a parar por causa dos carros que entram e saem, e sempre com muita atenção por causa dos cãezinhos que vão passear os donos e fazem o cocó ali.

Mas também, ali mesmo ao pé da nossa casa fica a Mata do Estádio Nacional, e por isso não me importo muito se não houverem mais árvores ali na rua, porque posso cheirar o ar puro que vem das outras e ir para lá brincar às vezes. O papá diz que essas não devem demorar muito mais a ir. ... Eu não sei bem para onde é que ele acha que as árvores vão, mas gostava mais que não fossem e que ficassem por ali. A não ser que façam como as andorinhas e os outros passarinhos e voltem de vez em quando para o pé da gente.

Mas a coisa de que eu gosto mais de todas na minha rua é da vista, que é muito bonita, especialmente quando estamos na minha varanda e onde conseguimos ver a ponte sobre o Tejo e o Cristo Rei e o Monsanto e até lá ao longe no mar. O papá diz que é Cascais.
Mas nem é preciso subir lá ao quarto andar para gostar da vista que se vê. Mesmo quando estamos na rua ou no passeio, podemos ver o rio até ao outro lado à Trafaria, porque ao fundo da nossa rua não há prédios e parece que vamos cair na água se nos debruçarmos. Mas não vamos, porque ela ainda está lá ao longe, depois das casas e do comboio.
A vista do fim da rua é muito bonita e eu gosto mais quando o céu está azul e cheio de sol. Mas também gosto quando está mau tempo, porque se vê o mar e as ondas zangadas com as nuvens e com a chuva e o vento.
Eu nunca lá fui à noite, porque os papás não me deixam, mas também deve ser giro, mesmo sem se ver nada, porque há sempre muitos carros lá parados com pessoas dentro dos carros a ver as luzinhas e a falar.
Mas agora se calhar já não vão mais para lá, porque puseram umas paredes de ferro lá a tapar o rio, como fazem nas obras e se calhar vão fazer umas casas novas ali em baixo, como estão a fazer na outra rua em cima, ao pé das vivendas dos ricos e do hotel do sólplei, e onde também há uma vista bonita para o rio, pelo menos enquanto não ficar tudo cheio de casas ao lado umas das outras. O papá disse que é 'irónico' e que 'faz sentido', e quando eu lhe perguntei o que isso queria dizer ele não me conseguiu explicar muito bem e eu fiquei na mesma. Mas ele disse que quando for mais velho eu vou perceber, e eu já fiquei contente.

Fim.