::domingo, outubro 30, 2005

O fantasma

Avistei-o novamente uma destas noites, como era aliás inevitável que mais tarde ou mais cedo voltasse a acontecer. São os locais por onde me movimento, afinal, aqueles que assombra. É assim natural que os nossos caminhos se cruzem, de tempos a tempos, tal como já havia acontecido anteriormente, e tal como, certamente, há-de voltar a acontecer.

Passámos um pelo outro sem parar, reconhecendo apenas a presença do outro, sem emitir qualquer palavra. Sem sequer o tentar. A sua condição auto-infligida limita-lhe essa capacidade - de comunicar com lado de cá - ao mesmo tempo que me limita a vontade de o fazer. E assim, pese embora a curiosidade natural, mantenho-me mudo no meu caminho, não efectuando qualquer tipo de tentativa de aproximação ou de contacto.

Parece-me sempre vislumbrar, no entanto, no que consigo identificar naquela imagem difusa como sendo a sua face - a sua boca, os seus olhos - o esboço de um sorriso, um estranho brilho no olhar. Serão reais? A sê-lo, que poderão significar? Que mensagem tentarão transmitir?

Não sei, não percebo. Mantem-se, para mim, um mistério indecifrável, apesar do turbilhão de conjecturas que me percorre o espírito.

Compreendi, no entanto, e finalmente, o porquê do temor que o Homem tem dos fantasmas. Ao contrário de outros seres sobrenaturais, ao contrário dos monstros, por exemplo, não é o próprio fantasma que assusta, não são os seus 'Buuuus' e afins, mas sim todo o poder que encerra dentro de si.

O poder de nos fazer reviver um passado em que estava presente na nossa vida, com tudo aquilo que nela possa ter representado, e que acabámos por perder no momento em que, voluntariamente ou não, a deixou.