A fogueira
Chovera durante tanto tempo que lhe haviam perdido a conta. Dias, semanas, meses. Já não tinham noção. A água, na sua fúria persistente, tudo lhes levara, desde posses e entes queridos ao discernimento e à sanidade.
Poupara-os, no entanto, por um qualquer motivo que desconheciam. Por acaso, por capricho, por intervenção Divina. As opiniões dividiam-se, na sua irrelevância.
Agora, finalmente, a chuva parara, partira. Deixava para trás, contudo, um vento seco e gélido, que não encontrava qualquer obstáculo no caminho até aos seus ossos, e que ameaçava terminar o que a sua antecessora tinha iniciado.
Também as nuvens - baixas, negras, ameaçadoras - tinham ficado para trás, continuando a cobrir tudo o que a vista alcançava, não permitindo que surgisse por entre elas a mínima frecha por onde descobrir o azul do céu que escondiam, e através da qual o sol pudesse brilhar.
No escuro, encharcados e gelados, sem qualquer fonte de calor - sem quaisquer meios com os quais a criar ou lenha seca para a alimentar - interrogavam-se se teriam sido realmente poupados, ou apenas escolhidos para uma provação e um sofrimento maior.
Subitamente, ouviram-no. Muito fraco, a início, quase imperceptível. Mas aumentando de volume, à medida que se aproximava: o trovão.
Era a tempestade que regressava.
(continua...)
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