A janela
Voltou a lembrar-se dela, e de toda a falta de sentido da situação, quando ao voltar para casa, no final de mais um dia, a avistou. Desta vez, porém, deteve-se no caminho, a alguma distância, e deixou-se ficar a observar o cenário durante algum tempo, interiorizando toda a incongruência do mesmo:
O portão escancarado, convidando a entrar; a porta da frente entreaberta, não por descuido, mas propositadamente; ambas as janelas do piso superior abertas, de par em par, a deixar entrar a luz e calor do dia; e, demarcando-se dos demais, a janela do piso inferior, com as persianas fechadas, trancadas a cadeado.
Que sentido fazia manter aquele estado de coisas, quando já há vários dias desistira do seu propósito de se 'barricar' em casa, e voltara a sair para a rua, para o mundo, completamente liberto das preocupações e dos medos que o haviam levado a isolar-se?
"Nenhum" - respondeu a si mesmo. Não fazia, de facto, nenhum sentido. E se havia algo que o incomodava cada vez mais, e com o qual não conseguia conviver pacificamente, esse algo era a falta de sentido das coisas, das situações.
Retomando o passo, dirigiu-se à janela, decidido, enquanto remexia nos bolsos à procura da chave que lhe permitiria repôr esse sentido perdido. Acabou por encontrá-la dentro da carteira, por entre as moedas, e ao usá-la para abrir o cadeado, sentiu uma sensação de alívio que o surpreendeu e que não soube imediatamente explicar.
Abriu ambas as persianas, fixou-as à parede, e espreitou para dentro da casa através do grande vidro indiviso que, para ele, sempre se assemelhara mais a uma montra do que propriamente a uma janela normal (tanto mais que sendo espelhado não lhe permitia ver do interior para o exterior da casa).
Andando para trás, afastou-se uns metros da casa, por forma a ter uma visão integral da mesma.
"Pronto, assim sim. Assim está melhor." - pensou para com os seus botões, dirigindo-se de seguida para o interior da casa, para se dedicar aos seus afazeres.
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