::terça-feira, abril 25, 2006

A fogueira - IV

(... continuando)

Quando regressaram, ao final do dia, os dois membros do grupo que se tinham voluntariado para investigar o fogo estavam visivelmente entusiasmados. Tanto, que apesar do estado de quase exaustão em que se encontravam - resultante do esforço de cobrir a distância em tão curto espaço de tempo - se recusaram a descansar enquanto não revelassem aos demais o que haviam descoberto:

Lá ao longe, onde aquele último relâmpago descera à terra, ardia um enorme carvalho, consumido por um fogo intenso.

Mas durante quanto mais tempo arderia? Quão quentes eram as suas chamas? E outra lenha para as alimentar, havia? E o local em si, que condições oferecia? O caminho até lá, que perigos apresentava? As perguntas surgiram, em catadupa, assim que deram a conhecer a boa nova, e ambos responderam conforme sabiam.

Confirmaram o calor das chamas, mais vivas e fortes que as do fogo que ali mantinham, não dando quaisquer sinais de querer abrandar. Ainda assim, acrescentaram, e apesar de já arder há mais de um dia quando a alcançaram, a velha árvore mantinha-se praticamente intacta. A toda a volta existiam outras árvores, de madeira igualmente boa, que arderia segura e longamente se alimentada às chamas, e que lhes asseguraria a continuidade do fogo, quando a madeira original finalmente desaparecesse.

Não existia no local, contudo, qualquer espécie de abrigo como aquele que ali tinham, pelo que teriam de o construir de raiz, e, nesse aspecto, recomeçar do zero. Quanto ao caminho até lá, não sendo propriamente longo ou perigoso, estava repleto de obstáculos que tornavam a travessia algo difícil e penosa.

No final do relato o grupo encontrava-se claramente dividido. De um lado encontravam-se os que desejavam partir de imediato, ou tão rápido quanto possível, por forma a aproveitarem ao máximo o novo fogo, e em seu redor reconstruirem a vida; do outro, em maioria, estavam todos aqueles que por uma razão ou outra preferiam ficar onde estavam: por temerem as dificuldades da travessia, por recearem realizá-la apenas para encontrar uma chama já extinta, por considerarem que tal acto constituiria um insulto para com os Deuses que lhes tinham oferecido o primeiro fogo, por devoção a este que os tinha salvo, etc...

Após um curto período de reflexão e discussão, e mantendo-se a maioria a favor da permanência, acabou por ser essa a opção seguida por todo o grupo, que não tardou em voltar à sua rotina do dia-a-dia.

De tempos a tempos, porém, acontecia registar-se por alguns dias a ausência de dois ou três elementos do grupo que, ao reaparecerem, e invariavelmente, nunca conseguiam explicar nem onde tinham estado nem o porquê de se terem ausentado.

Para os mais perspicazes, no entanto, as chamas que, à distância, se mantinham vivas à medida que os dias passavam, eram resposta suficiente.