::segunda-feira, janeiro 15, 2007

O sonho - IV



Luz vermelha num semáforo, se não estava em erro, significava que tinha de parar. Parar e aguardar a sua passagem para outra cor, que lhe indicaria que podia avançar de novo. E essa cor seria o... amarelo? Não, o amarelo não era. Essa era a cor da luz do meio. Verde! Era isso, tinha de aguardar pelo verde.

Muito bem, iria aguardar, se era isso que o caminho lhe indicava. Quanto tempo poderia demorar a luz a passar para o verde, afinal?

E assim, confiante, o sonho aguardou. E aguardou. E continuou a aguardar.

A luz, entretanto, mantinha-se no vermelho, e não dava sinais de querer passar para o verde. Não que esperasse qualquer sinal dessa passagem, obviamente. Quando chegasse a altura, a luz havia de passar para o verde sem qualquer alerta prévio. Súbita e simplesmente. A não ser, claro, que este fosse daqueles semáforos que passavam sempre pelo amarelo em qualquer passagem entre o verde e o vermelho. Nesse caso a passagem para amarelo serviria de aviso para a posterior passagem a verde.

Bom, fosse como fosse, tinha de permanecer atento, por forma a não perder a passagem a verde. Sabe-se lá quanto tempo permaneceria depois nessa cor, antes de voltar novamente ao vermelho?

Concentrando-se na luz, o sonho continuou a aguardar a sua mudança de estado. E aguardou. E aguardou. E continuou a aguardar.

A certa altura, porque é daquelas coisas que acontecem a quem espera, o sonho começou a desesperar. Que se passaria com o semáforo? Porque demorava tanto tempo a deixá-lo avançar? Estaria avariado? Ao longe, a silhueta da Concretização, parecia tornar-se mais difusa, e isso começava a assustá-lo, contribuíndo para um crescente estado de agitação.

Para tentar acalmar-se, recuou até á berma - de costas, para não perder de vista o semáforo - e deu uma espreitadela rápida por cima dos arbustos. O outro caminho continuava lá, livre e desimpedido, embora lhe parecesse que começava a inclinar ligeiramente para a direita, como que a afastar-se. Não lhe agradaria perdê-lo completamente de vista, embora não (se) conseguisse explicar porquê.

Preocupado, voltou para junto do semáforo que, impávido e sereno, se mantinha com a luz vermelha acesa.

Quanto mais tempo teria de esperar? Não saberia o caminho que não tinha todo o tempo do mundo para alcançar a Concretização? E se a luz verde surgisse tarde demais? Pior ainda, se nunca surgisse? Acabaria como tantos outros sonhos, a meio do caminho...

A não ser que... a não ser que tomasse o outro caminho. Mas como, com tantos obstáculos a ocupar o espaço entre um e outro? Não se sentia minimamente com forças para os enfrentar. Tanto mais quanto isso implicaria abdicar do caminho actual, que ainda mantinha muito da promessa original. Adiada, é certo, suspensa, mas ainda estava lá. Ainda.

Se ao menos tivesse a coragem de outros tempos, se não sentisse que a tinha exaurido com a sua fuga do primeiro caminho, talvez tentasse qualquer coisa. Talvez voltasse a arriscar. Mas assim...

(continua?)