::sexta-feira, janeiro 05, 2007

O sonho - III



O novo caminho que acabara de descobrir, parecendo seguir na mesma direcção do actual, era, à semelhança do primeiro, bastante diferente deste. Não que se assemelhasse ao primeiro, nada disso.

Mas enquanto que o actual era pavimentado e polido, com os canteiros de flores cuidadosamente ordenados nas bermas, este novo era coberto por uma relva não muito regular, pontuada, aqui e ali, por pequenos arbustos que lhe pareciam (não conseguia precisar, à distância) ser de fruto, bem como por uma ou outra flor. Pareceu-lhe também ver (pelo canto do olho, de fugida) um pequeno animal, talvez um coelho, a atravessar o caminho, mas não tinha a certeza.

O caminho actual mantinha-se recto, nivelado, com a linha do horizonte claramente à vista, enquanto que o novo apresentava curvas à esquerda e à direita, bem como pequenas inclinações, que não o deixavam perceber qual seria o seu destino final.

Havia ainda a luz. Uma luz diferente daquela que descia dos candeeiros que iluminavam permanentemente o seu caminho actual. Mais natural, talvez. Mais estranha, por não conseguir perceber exactamente de onde provinha.

Refeito da surpresa, e dando por terminada a exploração à distância que lhe era possível fazer, o sonho retomou o caminho em que se encontrava, em direcção à desejada Concretização. Era este O caminho, disso estava certo. Não tinha necessidade de explorar outros. Nem necessidade, nem tempo, diga-se em abono da verdade, pois embora o sonho pudesse durar eternamente, a Concretização que almejava só poderia ser alcançada dentro de uma determinada janela temporal.

De vez em quando, no entanto, dirigia-se de novo à berma e espreitava por cima dos arbustos para o outro caminho. Apenas para verificar se ainda lá estava. Curiosidade, nada mais. É certo que por uma ou outra vez deu consigo a pensar nas formas de ultrapassar os obstáculos que separavam os dois caminhos, mas acabou sempre por recuperar a lucidez, repreendendo-se, e acelerando o passo naquele onde se encontrava.

Foi num desses momentos, contudo, que se deu conta de um facto que considerou curioso: sentia-se pesado. Não, sentia o próprio caminho pesado, por mais estranho que isso pudesse parecer. Sentia-o pesado no sentido em que não lhe parecia que avançasse por ele tão rápido quanto desejava, ou tanto quanto pensou conseguir avançar, dadas as suas características.

Reparou também que, apesar do tempo de caminho que já levava, a silhueta da Concretização que inicialmente vislumbrara ao longe se mantinha inalterada, e tão simplesmente isso: uma sombra longínqua. Seria das breves paragens que tinha efectuado para admirar o terceiro caminho? Poderia ter-se distraído mais do que pensava? Só podia ser esse o motivo da lentidão que sentia, do seu aparente atraso. O caminho era perfeito, afinal.

Não se deixando perder nos seus pensamentos, e determinado a não perder nem o rumo nem mais tempo, acelerou novamente o passo, apenas para ser detido um pouco mais adiante por uma nova (e ainda mais inexplicável) surpresa: a meio do caminho erguia-se um semáforo, com a luz vermelha ligada.

(continua...)