O alpinista
O alpinista não acredita no que o povo diz acerca de Maomé e da montanha.
Ele sabe que não é assim.
Ele sabe, e aceita, que é a ele que cabe tomar a iniciativa e fazer o movimento.
Porque se para ele a montanha é tudo, para a imensidão da montanha, para a sua intemporalidade, ele não é nada. Apenas mais um grão de areia.
Então, pelo gosto que tem em estar na montanha e em sentir-se em comunhão com esta, ele percorre a distância, ele faz o esforço.
Porque esse gosto, essa autêntica paixão, é parte integrante do que o define, é algo que lhe é intrínseco e do qual não consegue, nem quer, libertar-se.
E assim, aceitando o seu papel, parte ao encontro da montanha.
Percorre os seus caminhos, escala as suas rochas, desfruta do ar puro que nela se respira, deixa-se arrebatar pelas visões que lhe são proporcionadas ao longo das suas encostas.
Enverda, ocasionalmente, por carreiros inexplorados, guiado pela curiosidade, pela vontade de descobrir a que recantos escondidos o levarão.
Mas sempre com a perspectiva de atingir o cume, de alcançar o prémio máximo, do qual nunca desiste.
Mesmo tendo em conta o frio que ás vezes se faz sentir ao longo do caminho, que queima e que pode matar, ou a dificuldade em respirar no ar rarefeito das alturas, ou o cansaço provocado pelo esforço constante.
Mesmo sabendo que pode cair e magoar-se.
Como já aconteceu e voltará a acontecer.
Mas é mesmo assim, na montanha.
Fazem parte, o risco e a dor.
São o preço a pagar pela realização.
Um preço pequeno para o alpinista, que vive para a montanha.
A quem, mais do que a dor de um osso quebrado ou de uma queimadura de frio, custa a ausência, a distância, a que a recuperação ou o retemperar de forças poderão obrigar.
Por esse motivo, por mais tempo que passe afastado da montanha, por mais adormecido que pareça estar o sentimento (que se sustém a si próprio, e que não necessita de ser alimentado), ele acaba sempre por voltar.
Para se sentir vivo.
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