Home is where the heart is
Não avançara nem 100 metros pelo caminho que lhe dividia os terrenos exactamente a meio quando decidiu parar. A pequena cratera negra que se abria na estrada à sua frente, assinalava, de algum modo, o novo fim da mesma, pelo menos no que à sua circulação respeitava. Não valia a pena avançar mais.
Travou o jipe, e após desligar o motor, subiu para o tejadilho. Daquele ponto de observação conseguia avistar toda a extensão da sua propriedade, desde os montes que a limitavam a Oeste às cercas que a separavam das propriedades vizinhas, a Sul e Este.
Deus, como amava aquela terra. Terra boa, terra fértil. Terra que era o seu lar, desde que viera ao mundo. Terra que sempre o sustentara e que, por sua vez, e aos poucos, aprendera a sustentar. Terra que se havia tornado, não surpreendentemente, a sua principal razão de viver, a sua força impulsionadora. Terra que, agora, lhe estava vedada.
A guerra civil dos últimos 7 anos, que deixara o país em ruínas (literal e figurativamente), despedira-se do povo com um último presente envenenado: milhões de minas terrestres, espalhadas país fora, por estradas e campos. O seu era apenas mais um entre tantos. 'Apenas' uma ou duas centenas de minas, provavelmente. Uma gota de água no oceano. Mas uma gota grande demais para uma só pessoa.
Desminar os seus terrenos sozinho, a ser de todo possível, afigurava-se-lhe uma tarefa para toda a vida. Uma tarefa forçosamente solitária, pois não só os acordos de paz tinham sido omissos na atribuição dessa responsabilidade (deixando toda a população entregue aos seus próprios meios), como não concebia a ideia de expor mais alguém ao perigo, ao risco de ter um desses dispositivos infernais a rebentar-lhe nas mãos, ou debaixo dos pés, dentro da sua propriedade, a cuidar daquilo que era seu.
Não, a fazê-lo teria de o fazer sozinho. A decisão, no entanto, podia esperar. Não era grande, a urgência. Tinha, afinal, todo o tempo do mundo: uma vida inteira.
Enquanto isso, algures do outro lado do Mundo, alguém desesperava numa luta inglória contra as rosas que insistiam em florescer e crescer, de forma errática e despreocupada, por entre as ordenadas fileiras de uma pequena horta que, aos poucos e poucos, perdia o seu propósito, à medida que desaparecia sob pétalas e espinhos. De tesoura de podar na mão direita, limpando com as costas da grossa luva que lhe protegia a mão esquerda as gotas de suor que se misturavam com as lágrimas, cortava a eito, aparentemente indiferente à beleza que destruía, ao mesmo tempo que murmurava, entredentes: "tem de ser, tem de ser..."
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