::sexta-feira, junho 30, 2006

O pau

Está torto. É torto. Já nasceu assim, aliás, pelo que não são expectáveis grandes melhorias nessa sua condição que, com o tempo, só tem vindo a piorar, retorcendo-se e entortando-se sempre mais um pouco. Está de tal forma que a sua base, cravada no chão, dá sinais de querer quebrar e estilhaçar-se.

Das duas pessoas que a ele estão agarradas, no entanto, só uma se apercebe do seu real estado, embora não o demonstre ou reconheça. A outra, seja por simples falta de atenção, ou por reais 'dificuldades cognitivas', continua a ver a vara que sempre viu, 'firme e hirta', sólida. No entanto, e em bom rigor, se interrogada um pouco mais insistentemente sobre o assunto, é capaz de admitir uma ligeira, mas mesmo muito ligeira, curvatura para a direita.

Com medo de caír se soltar o pau, e/ou de não encontrar outro mais seguro ao qual se agarrar, a primeira a ele se mantém agarrada, à espera que eventualmente se endireite, preferindo fazer fé na parte do 'tarde' em vez de na do 'nunca'. 'Tarde' pode tardar, mas sempre tem alguma probabilidade de acontecer.

E, com alguma sorte, pode acontecer que enquanto espera descubra uma forma de o endireitar. Amarrando-lhe uma árvore de fruto, por exemplo, que puxe por ele, e o obrigue a desentortar. Ou que, pelo menos, disfarce um pouco o seu estado.

É certo que normalmente é ao contrário que a coisa funciona, servindo a vara de apoio à jovem árvore enquanto esta cresce, mas até pode ser que resulte. E se não resultar, mal não há-de fazer, certamente. Excepto, eventualmente, à árvore, que corre o risco de também ela entortar.